quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Amanita phalloides: Puro veneno?



Estamos na presença do "mestre do mal", da espécie conhecida por cicuta verde, responsável por uma longa lista de envenenamentos: Amanita phalloides. Mas... se é assim tão conhecida dos micologistas, porque continuam a existir envenenamentos? Para compreendermos isto, temos de a conhecer melhor... e de nos conhecer a nós próprios.
Em Portugal, tal como noutros países da Europa, os cogumelos selvagens fazem parte da tradição gastronómica (ex: Trás os Montes e Alto Douro). A apanha de espécies comestíveis é baseada frequentemente em características vagas, como por exemplo "os cogumelos dos pinhais", os "laranginhas", os "das árvores", os com anel, os sem anel, os que escurecem a prata, os comidos por animais, os que o Sr. Zé apanha, etc.
Apanhar cogumelos não é um desporto radical, desde que se saiba o que se está a fazer. Não passa pela cabeça de ninguém ir pelo monte fora e colher ervas ao acaso, correndo o risco de apanhar cicuta a pensar que é salsa. Mas as formas dos cogumelos são tão sedutoras...
Uma das notícias da TV chocou-me particularmente. Um homem decidiu provar cogumelos que pensava serem venenosos porque caso não fossem, podia vendê-los. Experimentou e correu mal. Era Amanita phalloides. Teve de ter um transplante de fígado. No final da reportagem, quando lhe perguntaram se era capaz de voltar a comer cogumelos selvagens, o homem respondeu: sem dúvida, pois agora é que estou perito!
Todos os Outonos há envenenamentos por cogumelos selvagens, principalmente devidos a Amanita phalloides. Esta espécie apresenta cores variáveis e partilha os mesmos habitats de muitas espécies comestíveis. Não há "regra universal" que permita distinguir os cogumelos venenosos dos comestíveis. É necessária uma identificação muito cuidada. A única regra é: não conheço ou não tenho a certeza, não como!
A Amanita phalloides é uma espécie muito benéfica para as árvores, pois estabelece micorrizas com carvalhos, castanheiros e pinheiros, entre outras. A sua toxicidade deve-se à presença de amatoxinas (ex: amanitinas) e falotoxinas, compostos que não se destroem pelo calor ou cozedura. Os sintomas fazem-se sentir 6 a 12 horas após a ingestão. Ao fim de 24-48h, o doente passa por uma fase de melhoras aparentes, após a qual o fígado pode sofrer danos severos. Muitas das vezes, quando os danos são irreversíveis, a única solução para salvar o paciente é um transplante de fígado.
Paracelso disse há muitos séculos: é a dose que faz o veneno. De facto, foram descobertas aplicações biomédicas para os "venenos" desta espécie. Aparentemente as amanitinas têm um potencial na luta contra certos tipos de cancro da pele, em doses muito baixas e em excipientes adequados.
Tal como a tecnologia, a natureza nunca é nem boa nem má. Mas chama-nos a conhecê-la para a usarmos da melhor maneira.

Para saber mais, consultar (referências detalhadas na bibliografia):
Xavier Martins, Cogumelos. 2004.
Moreno e outros. La Guia de Incafo de los Hongos de la Peninsula Ibérica. 1986.
Frade e Alfonso. Atlas fotográfico de los hongos de la Península Ibérica. 2003.

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